quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

«Sei muito bem o que quero e para onde vou»






Após anos de incerteza e de irresponsabilidade, esta frase concisa, proclamada em 1928 por António de Oliveira Salazar num dos seus discursos, acalmou os corações que ansiavam por uma voz autoritária. Tratava-se de uma linguagem radicalmente nova e de um político radicalmente diferente.
Antes e acima de tudo um conservador tradicional, Salazar aparecia como o verdadeiro herdeiro dos ideais contra-revolucionários clássicos, e iria construir um Estado que negava no essencial a tradição do liberalismo dos séculos XIX e XX.
Segundo ele, a doutrina dos direitos individuais constituía uma invenção particularmente perigosa da artificialidade iluminista. Enquanto produto de um longo desenvolvimento histórico, as sociedades não podiam nem deviam ser revolucionadas de acordo com ideais utópicos. A sua ordem não repousava num contrato abstracto, celebrado entre indivíduos, mas, como afirmara num congresso católico realizado em 1922, fundava-se em Deus.
A igualdade entre os homens era um mito: o poder político legítimo não residia no cidadão, simples conceito abstracto, derivava antes de entidades concretas (a família, o município) com existência lógica e ontologicamente anterior à comunidade política. Como o próprio Salazar escrevia: «Nós temos visto que a adulação das massas pela criação do povo soberano não deu ao povo, como agregado nacional, nem influência na marcha dos negócios públicos, nem aquilo de que o povo mais precisa – soberano ou não – que é ser bem governado».
Os valores da hierarquia, da disciplina e da obediência não precisavam de justificação. A sociedade tinha uma estrutura natural e os regimes democráticos ruiriam se não a tomassem na devida importância. A ordem, o supremo ideal, consolidava-se neles. A ordem não se formava espontaneamente: não existia uma mão invisível que promovesse o equilíbrio entre os diversos interesses individuais. A natureza humana exigia um poder coercivo; daí a legitimidade e a indispensabilidade de um Estado forte, de um poder centralizado que providenciasse para que as pessoas «respeitassem a propriedade que não pudessem partilhar e trabalhassem a fim de obterem aquilo que pudessem pelo trabalho obter».
E, no caso dos trabalhadores portugueses se revoltarem por o êxito ser desproporcionado ao esforço despendido, a Igreja, estava ali para os aplacar, prometendo-lhes o consolo das disposições finais da justiça eterna.
Os partidos políticos e as eleições apenas serviam para perturbar a unidade e a paz da Nação. Para ele, uma enorme distância separava a sórdida classe dos políticos e as activas massas trabalhadoras. Os políticos representavam um cancro que minava o corpo da Nação e que ela tinha de extirpar. Ao cabo de um século de parlamentarismo fraco, a maior necessidade do País residia numa boa e sã administração. Em 1934, Salazar definiu os seus objectivos como consistindo em criar um Governo sem política.
«Tudo pela Nação, nada contra a Nação»: eis o slogan básico do salazarismo, que, por outro lado, pretendia restaurar os valores da civilização romano-cristã. A síntese superior da «Nação» substituiria o sistema decadente dos partidos e as divisões de classe. Como consequência, a partir de 1926-28 os partidos da República acabaram por sofrer de uma perseguição implacável, sendo mesmo colocados à margem da lei. Induziu-se o País a que fosse apenas português e acreditasse que a Nação dispunha de um plano oportuno para as ilustres tarefas do futuro. A grande revolução de Maio não havia sido desencadeada por um único partido, mas pelo Exército, símbolo da Nação.
Para Salazar, era na obediência que residia a virtude fundamental, no entanto ele sabia que só com tempo e paciência conseguiria incuti-la nos grupos rebeldes que haviam originado o caos anterior.
Salazar queria instituir e transmitir um novo sistema de valores. Na boa tradição católica, achava que uma sociedade bem organizada pressupunha o controlo e a destruição de muitas inclinações humanas como condição para o estabelecimento de uma verdadeira liberdade. A natureza dos homens forçava-os a escolher entre a anarquia e a disciplina imposta por um governo de autoridade.
Mas nem tudo teria sido assim tão difícil, Salazar não lutou abertamente pelo poder: em 1926, recebeu um convite e aceitou o sacrifício de ocupar o cargo de ministro das Finanças. Mas ficou só cinco dias.
Os militares não estavam preparados para lhe dar aquilo que considerava fundamental: pleno controlo do aparelho de Estado. Desde o início não duvidou de que, para salvar a Nação da ruína e da anarquia que se instalava, era essencial que se exercesse um domínio absoluto. Não tardou a exercê-lo.
Uma vez no poder, Salazar colocou-se imediatamente acima das facções e mesmo do grupo católico conservador a que pertencera.