terça-feira, 1 de junho de 2010

Portugal e o Neoliberalismo

" O neoliberalismo tem sido frequentemente apresentado como um projecto intelectual e político de alcance global que teria como ambição o regresso a uma «tradição inventada» delaissez-faire. O seu objectivo seria assim puramente reactivo e negativo. Tratar-se-ia de voltar a um suposto modelo puro de capitalismo, anterior à instituição de mecanismos de governação não-mercantis, que teriam reduzido, ao longo do século XX, o alcance das forças de mercado e bloqueado a sua actuação mais ou menos espontânea. O Estado e as suas múltiplas intervenções seriam sempre vistas como um obstáculo a remover. O neoliberalismo equivaleria assim à expansão do mercado à custa da retirada do Estado. Esta visão errónea do projecto neoliberal tem sido aceite por demasiada gente à esquerda e revela a hegemonia do romance do «mercado livre» como ordem natural e espontânea. Tal romance tem muito pouca correspondência com a prática política neoliberal e até com as formulações teóricas dos seus principais ideólogos. No fim de contas, o próprio F. A. Hayek, um dos nomes maiores do fundamentalismo de mercado no século XX, declarou que «é o carácter e não o volume da actividade governamental que é importante», visto que «uma economia de mercado funcional pressupõe certas actividades por parte do Estado». Felizmente, isto mesmo tem sido crescentemente reconhecido por vários estudos críticos recentes que retomam, entre outras, as «velhas » ideias de Karl Polanyi. Referindo-se ao período em que teria vigorado o laissez-faire no século XIX, Polanyi defendeu convincentemente que «o caminho para o mercado livre estava aberto e mantinha-se aberto através do incremento de um intervencionismo contínuo, controlado e organizado de forma centralizada». Isto porque «tornar a “liberdade simples e natural” de Adam Smith compatível com as necessidades de uma sociedade humana era tarefa assaz complicada. […] a introdução dos mercados livres, longe de abolir a necessidade de controlo, regulamentação e intervenção, incrementou enormemente o seu alcance».

Na esteira da formulação pioneira de Polanyi, o neoliberalismo é agora entendido como um feixe vencedor de ideias assente não tanto na redução do peso do Estado, mas antes na reconfiguração das suas funções. O seu objectivo é encontrar soluções, com um grau mínimo de aceitação social, que, em democracias de alcance tanto quanto possível limitado, permitam subordinar a actuação dos governos de todos os partidos à promoção política de processos deliberados de engenharia mercantil, ou seja, à promoção de processos políticos de construção de mercados em novas áreas da vida social. Isto implica um reforço da área de actuação e do poder de grupos económicos privados cada vez mais vergados às prioridades de rentabilização do investimento por parte dos seus crescentemente voláteis proprietários, que têm hoje, graças à expansão politicamente incentivada dos mercados financeiros à escala global, muito mais oportunidades de fazer sentir o seu peso através de estratégias de fuga. Aliás, não é por acaso que, na economia política marxista, o neoliberalismo aparece como a «expressão ideológica da hegemonia da finança de mercado». (...) "

                                                          por João Rodrigues e Nuno Teles,                                                                                               economistas

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